quarta-feira, 14 de abril de 2010

História de Goiás em novos trilhos

Em seu novo livro, Poder e Paixão, Lena Castello Branco desmistifica a trajetória dos Caiado, lançando nova luz sobre a história do Estado e sacudindo a poeira das tradições


"A recomposição do passado, sob a forma de memória histórica, resulta de um complexo processo de negociação entre presente e passado." É com estas palavras que Noé Freire Sandes, professor do Departamento de História da Universidade Federal de Goiás (UFG), abre a apresentação de Poder e paixão - A saga dos Caiado, novo livro da historiadora Lena Castello Branco que acaba de sair pela Cânone Editorial. Em dois graúdos volumes, que enfeixam mais de mil páginas, a publicação é resultado de criteriosa e profunda pesquisa bibliográfica e documental, que levou cerca de doze anos para ser concluída e contou com dezenas de entrevistas, depoimentos e documentos inéditos.

A abertura de Noé resume bem o objetivo de tão aprofundado estudo: mais do que reafirmar a história já perpetuada e reproduzida maquinal e incansávelmente durante o último século, a obra visa uma reinterpretação de fatos e o questionamento de algumas verdades tidas como absolutas, lançando nova luz e desmistificando aspectos obscuros da história de Goiás.

"Preocupei-me em dar voz aos silenciados, sobretudo aos derrotados pela Revolução de 1930 - os chamados 'decaídos' - impedidos de se manifestar por longo período. Ao dar início à elaboração de Poder e paixão, deparei-me com a forte representação negativa da família Caiado, que, disseminada no imaginário popular, contaminou o próprio sobrenome. Optando pela história-problema - que permite apreender o indivíduo em interação com a sociedade - entrevi, nesse fato, o fulcro dos questionamentos para os quais buscaria resposta: como e por que se deu a demonização dos Caiado?" introduz Lena, deixando claro que a publicação não pretende vir em defesa de ninguém, mas sim deixar de lado a visão conformista em busca de versões mais condizentes com a realidade histórica. 

Custeado pela Agepel mediante autorização de sua presidente, Linda Monteiro, e do Governador Alcides Rodrigues, o livro aborda também questões como o coronelismo, a Coluna Prestes, as revoluções e sediações em Goiás e no Brasil durante a Velha República, entre outros aspectos da história do país  

História de Goiás sob nova luz

Partindo do esgotamento das minas, ainda no século XVIII, o estudo tem como marco inicial a vinda de Manoel Cayado de Souza de Portugal para a Vila Boa, onde, em 1770, obteve concessão de uma sesmaria nas matas da Paciência. Documentos históricos inéditos foram percorridos no Rio de Janeiro, São Paulo, Cidade de Goiás, Brasília e Goiânia, com destaque para o rico acervo da família Caiado, que se encontrava distribuído entre diversas mãos. Além disso, a autora visitou a aldeia ancestral da família em Caria, Portugal, onde teve acesso a valiosa documentação escrita e iconográfica relativa ao tema.

Com narrativa envolvente e rica, a obra realiza um resgate completo e detalhado de Goiás naquele tempo, abordando o desbravamento do sertão e a transição para as atividades agro-pastoris, no século XIX, bem como a participação dos goianos na Guerra do Paraguai e na campanha abolicionista. No século XX, privilegia a análise das lideranças políticas da Velha República, com destaque para a personalidade de Antônio (Totó) Ramos Caiado, um dos representante políticos mais importantes da saga familiar retratada pela historiadora.

Embasado por farto acervo, o livro apresenta um Totó mais humano e pluridimensional, que nem de longe lembra o bicho-papão repercutido e repetido por diversas gerações. Seus amores, suas ligações com a família e a terra, suas lutas, sua formação e visão de mundo, a defesa de Goiás na passagem da Coluna Prestes, as articulações políticas, as interligações familiares, as prisões, denúncias, censura e perseguições, tudo é analisado e repensado sobre uma nova ótica, dando início a um novo e repaginado capítulo da história de nosso Estado.

A obra realiza ainda uma explanação dos antecedentes da Revolução de 1930 na região sudoeste de Goiás, dando enfoque à emergência de novas lideranças no cenário político do Estado e ao período de excessão, que se prolongou no Estado Novo e encerrou-se com a redemocratização.  

Inserida na perspectiva mais ampla da história de Goiás e do Brasil,  a narrativa se estende até a construção de Brasília, ressaltando a atuação de políticos goianos no Congresso Nacional em apoio à mudança da capital federal para o Planalto Central, sob a liderança do então senador Emival Caiado. Completa e abrangente, a publicação retrata seis gerações da família e conta com centenas de notas bibliográficas, enriquecidas por dezenas de fotos de época obtidas a partir de acervos públicos e familiares.

Além de recuperar mais de meio século do processo histórico nacional, tratados de forma instigante e inovadora, o livro ainda assegura uma questão fundamental no estudo e na perpetuação da História enquanto ciência: tal resgate permite a abertura para a história do outro, deixando de lado o medo das zonas de sombra do passado para ir além do repetido e consagrado. "Pretende-se que a obra traga relevante contribuição à história e à cultura goianas, sobretudo ao suscitar questionamentos e ensaiar revisões que permitam enfoques atualizados de temas pouco explorados - ou explorados tendenciosamente - pela história tradicional", afirma Lena.

A autora

Atuante na educação e pesquisa histórica há mais de 50 anos, Lena Castello Branco é Doutora em História Social pela Universidade de São Paulo (USP) e Professora Titular aposentada da Universidade Federal de Goiás (UFG). Como diretora do Instituto de Ciências Humanas e Letras da UFG, fundou os cursos de mestrado em História e em Letras e propôs a criação do Museu Antropológico da Universidade. Em Brasília, foi membro do Conselho Federal de Educação, Diretora Geral do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP) e Assessora do Ministro de Estado da Cultura.

Com uma longa trajetória de atuação cultural, registra participações significativas: ex-membro e vice-presidente do Conselho de Cultura do Estado de Goiás, sócia fundadora da Academia Feminina de Letras e Artes de Goiás e da Sociedade Brasileira de História da Medicina, sócia emérita e diretora da Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Goiás, membro titular da Academia Trindadense de Letras, Ciências e Artes e sócia correspondente da Academia Belavistense de Letras, Artes e Ciências. É autora de vários artigos e livros, dentre os quais "Arraial e Coronel: dois estudos de História Social", distinguido com o prêmio "Clio" da Academia Paulistana da História, em 1980. Contista premiada, autora e diretora de peças de teatro, Lena também é cronista semanal do Diário da Manhã. 

Apaixonada por Goiás

Nascida em Parnaíba, no Piauí, Lena reside em Goiás desde 1949, já tendo sido homenageada com os títulos de Cidadã Vilaboense, em 1973, e Cidadã Goianiense, em 2006. Apaixonada pelo Estado, a historiadora enxerga no mais recente projeto uma maneira de homenagear e retribuir a acolhida que recebeu por aqui, contribuindo na valorização da cultura e do resgate histórico local. "Com o presente trabalho tive por objetivo retribuir a generosidade do povo de Goiás, Estado que adotei e onde nasceram meus filhos e netos, assim contribuindo para o melhor conhecimento e valorização do papel desempenhado pelos goianos no contexto da história do Brasil", concluiu.

Poder e Paixão - a saga dos Caiado
Lena Castello Branco Ferreira de Freitas
Goiânia - Editora Cânone, 2009
2 volumes

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