quarta-feira, 10 de setembro de 2008

A chegada das universidades mercantis e a necessidade de um novo método educacional

Os interesses de uma instituição de ensino superior podem se mover desde oportunizar ou oferecer o acesso a um ensino de qualidade até o puro comércio de títulos. Porém, a deficiência na qualidade do ensino atualmente sinaliza também para uma necessidade de adequação dos métodos acadêmicos à realidade pós-moderna
   
O ensino superior é o nível mais elevado dos sistemas educativos. Enquanto as universidades públicas continuam restritas e sucateadas, a oferta de educação particular cresce vertiginosamente. Alguns mecanismos já foram desenvolvidos pelo Ministério da Educação para fiscalizar a qualidade do ensino oferecido, como o Enade (Exame Nacional de Desempenho de Estudantes), porém, o procedimento ainda é considerado muito subjetivo e não consegue avaliar a contento o aprendizado do aluno.

Para o professor da Universidade Católica de Goiás, Cláudio Aleixo, os critérios que determinam a qualidade do ensino superior são a produção dos alunos, a qualificação do corpo docente, a interação com outras áreas do conhecimento e o investimento em pesquisa. Cláudio também citou a estrutura física e técnica da instituição e a filosofia e missão adotada por ela, se está ou não de acordo com a realidade do mercado de trabalho.

Porém, mesmo servindo a um bem público que é a educação, a instituição privada corre o risco de reduzí-la a um mercado de títulos, provocando a perversão total do que seria seu objetivo. Para Enzo de Lisita, docente na Faculdade Alfa, a banalização da formação acadêmica, num primeiro momento, foi um mal necessário: “Agora já estamos em uma fase onde demandas reprimidas já foram solucionadas e, portanto, é hora de quem tem condições continuar no mercado. Mesmo para quem pretende vender ensino, é preciso fazê-lo com competência”, afirmou.

Já Aleixo não vê a facilitação do acesso ao ensino superior como um problema, mas sim uma vantagem: “Acredito que o aluno é que precisa sempre ser consciente e crítico para não deixar ser enganado e exigir um ensino de qualidade.”

Sobre o Enade, disse considerá-lo uma forma muito mecanizada de avaliação: “Na área de comunicação, os conceitos não são tão fechados como de outras áreas do conhecimento. O exame prioriza apenas o conhecimento técnico e específico. Não acredito nessa “padronização do conhecimento”, completou.

Necessidade de mudanças no sistema educacional

Indagado sobre o tema, o jornalista Marcus Minuzzi, professor da Católica e doutor em Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos, disse haver um processo muito maior, civilizatório, que está prejudicando os alunos em sala de aula: “Chamo esse processo de fim do poder paterno. Antes, a autoridade do professor era definida com base nesse critério”, afirmou.

Segundo Marcus, não há mais como ensinar da maneira autoritária, linear e em série. O conhecimento mudou, e a ciência não consegue mais monitorar as mudanças, cada vez mais velozes. “Dessa maneira, não há mais como sustentar a racionalidade científica tal como ela é, ou seja, base do nosso ensino escolar e acadêmico, e que está, no limite, conduzindo a uma crise ambiental, e a um impasse civilizatório sem precedentes.”

Durante sua tese de doutorado, Minuzzi notou a insuficiência do procedimento acadêmico. Com muito conteúdo sendo passado, o educando na tinha voz própria. A solução encontrada por ele foi o casamento entre a arte e as práticas teóricas, rejeitando os conceitos fechados e pré-estabelecidos para promover a participação e o desenvolvimento dos alunos.

Para o jornalista, estudioso da questão mítica, a mudança se dá rumo à esfera do irracional, da incorporação de elementos como a ludicidade, a fantasia e a imaginação no processo educacional. Segundo ele, a busca pela manifestação do mito é o anseio por uma racionalidade menos destrutiva. “A evolução deve se dar no sentido da volta de uma circularidade, traço característico do feminino”, completou.

Em suas aulas, Marcus encarna o “professor artista”, utilizando a capacidade da música de integrar e resolver as diferenças. Sua idéia é explorar a música brasileira como fonte de inspiração para práticas teóricas e também para melhorar o nível de qualidade da escrita, pegando na elementar base sonora do texto.

Trabalhar com imagens do inconsciente gera um estranhamento muito grande, porém, o fim do produtivismo mediante a desgraça, conseqüência da degradação ambiental desenfreada e da globalização, deve trazer às salas de aula uma nova maneira de educar: “Acho que vai surgir um novo movimento, potencializado pela internet. Espero que o momento histórico proporcione isso”, afirmou Minuzzi.

domingo, 15 de junho de 2008

EM MEIO À DITADURA, UM NOVO MODO DE COMUNICAÇÃO LIVRE: UMA ANÁLISE SEMIÓTICA DOS CARTAZES DE PROTESTO DE MAIO DE 68


RESUMO

Este artigo tem o objetivo de analisar os signos contidos nos cartazes de protesto veiculados em maio de 1968, produzidos em “ateliers populares” na Escola de Belas Artes e na Escola de Artes Decorativas, em Paris. Eles constituem um precioso documento histórico, assim como o testemunho gráfico de dois meses de explosão de vida e de criatividade, em que a problematização levantou, ela mesma, paralelos ideológicos, escancarando os alicerces do edifício social. A discussão, generalizada e permanente, incidiu sobre as mais variadas questões: o poder, a democracia, o capital, o trabalho, a educação, os costumes, a moral e a publicidade, aspectos claramente presentes nos impressos e que este trabalho pretende desvendar.

PALAVRAS-CHAVE: Semiótica, maio de 68, contestação, movimento estudantil.

INTRODUÇÃO

O mês de maio de 1968 representou o auge de um momento histórico de intensas transformações políticas, culturais e comportamentais que marcaram a segunda metade do século 20. A partir de manifestações estudantis ocorridas nas universidades francesas de Nanterre e Sorbonne, sucessivos movimentos de protestos irromperam em diversas universidades de países da Europa e das Américas, que ganharam uma dimensão ainda maior com a ampliação das revoltas para a classe trabalhadora.

Em 30 dias, os estudantes criaram barricadas, formando verdadeiras trincheiras de guerra nas ruas de Paris para confrontar a polícia. Mais do que isso, os jovens tiveram idéias, espalharam cartazes e criaram frases tidas como as mais "ousadas" da segunda metade do século 20. Em discursos nas ruas e nas universidades, em cartazes e muros, os estudantes franceses deixaram as salas de aula e se mobilizaram para dar a seus professores, pais e avós, às instituições e ao governo "lições" sobre os novos tempos, a liberdade e a rebeldia.

Maio 68 foi também o momento de uma explosão gráfica nas ruas. Em um país paralisado em que a informação era filtrada, os cartazes se tornaram um meio de comunicação livre. Grafismo depurado, estilo incisivo em que a eficiência deveria prevalecer. Em Paris, criaram-se os “ateliers populares” na Escola de Belas Artes e na Escola de Artes Decorativas. Destes ateliers saíram centenas de cartazes realizados por equipes militantes dotadas de dons artísticos incontestáveis. Os exemplos apresentados mostram o talento dos autores em transmitir em poucas linhas suas mensagens e reivindicações.

EM MEIO À DITADURA, UM NOVO MODO DE COMUNICAÇÃO LIVRE: UMA ANÁLISE SEMIÓTICA DOS CARTAZES DE PROTESTO DE MAIO DE 68
 
As imagens contidas nos pôsteres, provenientes da revolução de maio de 68, trazem em si vários signos. Analisando a disposição gráfica dos elementos podemos notar que, através das cores, formas e textos utilizados, uma mensagem está querendo ser transmitida.

Segundo Peirce (2000, p. 46), um signo é aquilo que, sob certo aspecto ou modo, representa algo para alguém. Dirigi-se a alguém, isto é, cria, na mente desta pessoa, um signo equivalente, ou talvez um signo mais desenvolvido. Ao signo assim criado denomino interpretante do primeiro signo. O signo representa alguma coisa, seu objeto.

A maior parte da vasta e criativa produção de cartazes do Maio francês tem origem na Escola de Belas Artes da Paris, que foi ocupada pelos estudantes no dia 14 de Maio de 1968 e passou a se chamar Atelier Populaire. Durante dias, as assembléias gerais reestruturaram a escola e promoveram sua organização, indispensável para conseguir pôr na rua diariamente uma enorme quantidade de cartazes. Entre as novas orientações da instituição estavam reorganizar o sistema educativo, estabelecer uma ligação com os operários grevistas e utilizar a arte como uma ferramenta de propaganda em contraponto ao regime ditatorial vigente.

Por não permitir a produção dos cartazes de forma rápida e maciça, a litografia foi substituída pela serigrafia. Esta tecnologia era capaz de produzir milhares de cartazes por dia, porém, impunha a ausência de dégradés. Essa é a causa da mono ou bicromia (utilização de apenas uma ou duas cores) encontrada nesses cartazes, dando uma estética um pouco naive (ingênua) à produção. Muitos cartazes são feitos somente de texto, o que os aproxima dos grafites que se multiplicaram nas paredes de Paris neste período.

Define Peirce (2000, p. 74): Um símbolo é um signo que perderia o caráter que o torna um signo se não houvesse um interpretante. Tal é o caso de qualquer elocução de discurso que significa aquilo que significa apenas por força de compreender-se que possui essa significação.

As cores utilizadas nos cartazes são vivas, fortes e marcadas por forte contraste, simbolizando a vitalidade, a audácia e a convicção juvenil, que levou os manifestantes, calados pelo regime militar, a estamparem suas mensagens revolucionárias nos muros e fachadas. 

A maior parte dos cartazes são textuais e manuscritos. As palavras de ordem são marcadas por uma profunda espontaneidade, que refletia o que se gritava na rua. Os cartazes absorviam a frescura do movimento e difundiam rapidamente as palavras de ordem e as temáticas: De Gaulle, os CRS (polícia de choque) e a sua violência, a liberdade, as greves nas fábricas, etc.

Nos cartazes, há sempre uma imagem chamativa, acompanhada de um texto curto e forte, com formas e desenhos simples, para rápida assimilação. O texto situa-se acima ou abaixo da imagem, dialogando com ela. O aspecto bruto da realização e o humor ou a ferocidade das palavras de ordem ajudam a dar uma impressão de força e de eficácia para as mensagens veiculadas. Estes cartazes tiveram um papel importante na mobilização e na difusão das idéias claramente libertárias destas semanas.

BIBLIOGRAFIA

PEIRCE, Charles Sanders. Semiótica. São Paulo, ed. Perspectiva, 3.ed., 2000, trad. José Teixeira Coelho Neto.