terça-feira, 23 de março de 2010

Botecoterapia

Seja sozinho ou com os amigos, cada vez mais goianienses recorrem ao boteco como terapia para aliviar o estresse e dar um chega pra lá no tédio

Quem é morador de Goiânia ou já visitou pelo menos uma vez a capital sabe que o mar do goianiense é o bar. Seja em busca de um ambiente de descontração com amigos ou apenas de um chopp bem gelado para relaxar, cada vez mais pessoas se reúnem nesses locais como forma de terapia, na tentativa de minar o estresse da tumultuada vida na metrópole e arraigando a cultura do boteco no dia-a-dia do goianiense.  

Assessor jurídico do Tribunal de Justiça de Goiás, Frederico Borges (27) é um daqueles que não dispensam um pulinho no bar ao final de um dia exaustivo: "Gosto de encontrar os amigos e bebericar alguma coisa, esquecer do trabalho e relaxar um pouco. O ambiente do botequim proporciona essa quebra, liberando o estresse acumulado durante o dia, além de ser uma boa maneira de encontrar pessoas e se divertir", afirma.

Assim como ele, pessoas de todas as tribos e gêneros recorrem ao bar como forma de relaxamento, uma vez que alia a possibilidade de interação social com a degustação de pratos e bebidas, porém, as motivações que levam esses indivíduos ao espaço do botequim são bastante diversas, e vão desde oferecer um serviço de qualidade até dispor de diferenciais, como apresentações de música ao vivo ou espaço para jogos.

Simplicidade que acolhe

Para Henrique Tomé (25), estudante de Engenharia e frequentador assíduo de botecos, o atrativo principal desses locais diz respeito à simplicidade do ambiente e à intimidade presente no atendimento. "Prefiro lugares onde eu possa me sentir em casa, sem frescura nem convenções. Por isso, costumo ir a bares mais simples, onde eu não preciso me preocupar demais com a aparência, posso beber no balcão e bater papo com o garçom. Na minha opinião, a terapia consiste nisso", comentou.

Prática bastante comum no setor, muitos bares são gerenciados e mantidos pela própria família, o que garante esse clima familiar e acolhedor. De acordo com dados da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), esse número pode chegar a 80% dos estabelecimentos. É o caso, por exemplo, do Barzinho do Piry, fundado pelos irmãos Francisco Ramos Mendes e Luiz da Silva Mendes e que já existe há 33 anos. Ainda hoje o estabelecimento é administrado pela família, e possui clientes que frequentam o local desde sua inauguração. Henrique afirma que o segredo está no atendimento: "O capricho e o carinho com que a família atende seus clientes é um diferencial que cativa. Aqui, chamo o garçom pelo nome, jogo conversa fora com o gerente e me sinto bem recebido sempre", confidencia.

A amizade do estudante com a família do seu Francisco já dura 11 anos, e garante a presença e a fidelidade de Henrique ao estabelecimento. "Venho sempre que posso para tomar alguma coisa, degustar um tira-gosto e relaxar, mas o motivo principal que me traz aqui é certamente a amizade e a simpatia desses velhos amigos", garante Tomé.

Identificação musical e cultural

O publicitário Hugo Chaves (26), por sua vez, relaciona o relaxamento proporcionado pelo boteco à identificação do cliente com a casa e seus frequentadores, que segundo ele tem como principal aporte o tipo de música utilizada na ambientação. "Procuro lugares que tenham a minha cara, tanto musical quanto cultural. Preciso me encontrar no bar. Por isso, como gosto de rock, é nos bares que possuem esse tipo de música que me sinto mais à vontade, pois consequentemente encontro gente com referências e ideias parecidas com as minhas", conta.

Essencialmente brasileira, a cultura de boteco sugere um ambiente no qual o relaxamento coletivo é facilitado e possibilita vínculos de simpatia e coesão entre seus frequentadores. "Existe uma certa cumplicidade que une os clientes de um mesmo bar, principalmente quando a identidade musical é bem definida", observa Chaves.

É de olho em clientes como o publicitário que muitos bares investem em atrações culturais, como festivais gastronômicos e musicais. De acordo com Elmar Santana Júnior, proprietário do Bar e Restaurante Glória, fundado há seis anos, oferecer opções que enriqueçam a estada do cliente no estabelecimento faz mesmo toda a diferença. O bar dispõe de apresentações de música ao vivo aos finais de semana e já possui uma cartela de clientes cativos extensa: "Tenho vários frequentadores diários, que encontram no Glória uma extensão de suas próprias casas. Porém, se durante a semana o movimento gira em torno de 80 clientes ao dia, aos finais de semana esse número sobe para 250, graças às atrações musicais", estima.

A Diretora Executiva da sucursal goiana da Abrasel, Adriana Jota, também aposta nesta incrementação dos serviços oferecidos, lembrando que o bar é, acima de tudo, um espaço de socialização: "Em uma cidade como Goiânia, em que não existem grandes atrativos culturais, como teatros e museus, o boteco representa um grande nicho no mercado do entretenimento, porém, é preciso que haja a compreensão de que o espaço do bar não é apenas um lugar de consumo, mas sim um ambiente de cultura e lazer. É preciso investir nisso", exclama.

Qualidade dos serviços

Que a identidade cultural é um ponto muito importante, ninguém duvida, porém, para Adriana, é preciso que os donos dos estabelecimentos se profissionalizem e aperfeiçoem, apostando também num serviço de qualidade para agradar e fidelizar a freguesia: "Não basta abrir uma portinha e espalhar algumas mesas. É necessário que o proprietário esteja de acordo com as normas da Anvisa, que regulamentam a higiene de quem manipula alimentos e bebidas, além de possuir as inscrições estadual e municipal", adverte. 

O grande problema, conforme ela, é a falta de profissionalismo do setor, que muitas vezes é gerenciado por empresários de outros ramos ou por pessoas que não possuem conhecimento do assunto e decidem apostar no mercado: "O que a Abrasel procura é orientar e profissionalizar os estabelecimentos. E não se trata apenas de estar em dia com a lei. Tanto a higiene dos banheiros quanto a cortesia dos garçons são detalhes importantes, que garantem a excelência do atendimento e com certeza podem ser revertidos em satisfação para o cliente e em resultados positivos para o estabelecimento", avalia.

Ambiente de debate e troca de ideias

Para Elmar, o bar pode ser considerado uma instituição, uma vez que possui um ambiente propício para o florescimento de ideias e a resolução de problemas: "Desde a antiguidade os intelectuais se reúnem em bares e cafés, pois eles possibilitam uma troca intelectual despretenciosa e frutífera. Não é raro recebermos grupos de jornalistas ou outros formadores de opinião para discutirem seus assuntos na mesa de bar, tornando o debate mais informal e deixando de fora as disputas", afirma. 

Capital dos botecos

Graças à larga e crescente demanda pelos botequins, o número de estabelecimentos obteve um salto: somente em Goiânia já são mais de 15 mil, ultrapassando até mesmo a tradicional capital dos botecos, Belo Horizonte, que conta com aproximadamente 12 mil deles. A pluralidade de preços e sabores também é grande, podendo variar de um boteco "cupo-sujo", termo que se refere aos estabelecimentos mais simples e de higiene duvidosa, aos mais requintados, que já dispõe de chefes de cozinha e serviços personalizados.

A cultura do boteco goianiense é tão forte que inúmeros festivais que exaltam os petiscos servidos nesses locais já possuem edições em Goiânia. É o caso, por exemplo, do festival "Comida di Buteco", criado em Belo Horizonete pelo gastrônomo Eduardo Maya e estendido para outras 11 cidades brasileiras. Goiânia foi a 4ª a ser contemplada com o evento, que já está chegando em sua 3ª edição. Outro grande festival é o "De bar em bar", promovido pela Abrasel e que já está na 5º edição. 

Setor em pleno desenvolvimento

O segmento de bares e restaurantes foi o setor comercial que mais cresceu nos últimos três anos, e atualmente é responsável pela manutenção de cerca de 90 mil empregos diretos e 270 mil indiretos, incluindo fornecedores, responsáveis pela limpeza e afins. O número de estabelecimentos que fechavam após três anos de funcionamento caiu cerca de 25%, segundo dados da Abrasel, e espera-se a abertura de 50 novos estabelecimentos de grande porte ainda este ano. "Não adianta investimento imobiliário em Goiânia sem que haja um correspondente social, ou seja, precisamos investir também em produtos e serviços", lembra Adriana.

A Secretaria da Fazenda ainda não divulgou os números de 2009, mas em 2008 o setor movimentou aproximadamente 18 milhões de reais, e já é responsável por 40% do PIB do turismo local.

Boteco ontem e hoje

A palavra boteco, ou botequim, é oriunda do termo português 'botica' e da expressão espanhola 'bodega', derivados do grego 'apothéke', que significa depósito. Em Portugal e Espanha o sentido grego se manteve, porém, no Brasil, o boteco ficou  tradicionalmente conhecido como um ponto de encontro de boêmios, no qual se podia comprar muidezas e artigos de armarinho.

Com o passar do tempo, já no início do século XX, os donos de botequim começaram a oferecer bebidas e petiscos a seus fregueses como forma de agrado, o que deu aos bares o status de espaço de socialização e descontração que nós conhecemos. Inicialmente era frequentado apenas por homens, porém, logo também as mulheres passaram a usufruir desses lugares.

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