sábado, 1 de maio de 2010

Congresso perde sua musa

Cansada do preconceito, a única transexual do Legislativo anuncia exílio na Europa para confecção de um livro, cuja temática deverá ser a sexualidade humana


Quem avista pela primeira vez a loiríssima Maria Eduarda Borges perambulando pelos corredores do Congresso Nacional, em Brasília, exalando uma feminilidade de fazer inveja a qualquer diva e atraindo os olhares travessos dos parlamentares da casa, não imagina que há menos de três anos a beldade atendia pelo nome de João Paulo e se escondia atrás da imagem sisuda de um dos mais respeitáveis e requisitados assessores legislativos da Casa. A transformação física da transexual, que desde criança já ostenta sensibilidade e características típicas do universo feminino, começou em 2007, quando, após retornar de uma Parada Gay em Salvador, decidiu de uma vez por todas abandonar a aparência bem comportada do garoto tímido para assumir o visual de mulher fatal, mais condizente com sua essência e personalidade. Além de tratamento hormonal e acompanhamento psicológico, a mudança incluiu prótese de silicone nos seios, cirurgia nas cordas vocais e plástica no rosto para suavizar algumas expressões masculinas, transformações que mudaram radicalmente a rotina pessoal e profissional desta goiana, natural de Mozarlândia, que há cerca de dez anos já reside na Capital Federal e atua no Legislativo.

No Congresso, a nova aparência de Maria Eduarda colocou-a imediatamente no centro absoluto das atenções, despertando a ira das mulheres, que começaram a vê-la como uma concorrente em potencial, e o desejo dos homens, que não exitavam em entortar os pescoços para admirar a nova mulher que surgia. Porém, assim como tudo que é diferente acaba causando estranheza, a nova condição da assessora não passou ilesa ao preconceito, ainda que velado, dos frequentadores e membros da Casa Legislativa. Na entrevista que você confere agora, concedida ao DMRevista, a musa falou dos problemas que enfrentou nesta fase de transição e de sua decisão, anunciada recentemente, de exilar-se na Europa, onde pretende conviver com outra cultura e escrever um livro sobre sexualidade. 


DMRevista - Com que idade surgiu a compreensão de que sua alma e essência eram femininas? Sofreu discriminação por parte da família?


Maria Eduarda - Aos cinco anos de idade eu assistia o Xou da Xuxa e visualizava a feminilidade dela e das Paquitas e aquilo me encantava. Depois disso, comecei a usar roupas da minha mãe as escondidas, e a partir daí tudo foi consequência.

Por parte de meus entes familiares, nunca foi recriminada nem enfrentei preconceito, mas possivelmente eles sofreram por parte de outras pessoas com quem conviviam. Quanto à discriminação, veio como resultado da diferença. E como sempre fui diferente daqueles com quem convivia, ela foi inevitável. Até porque preconceito é um conceito pré-formado quando, infelizmente, as pessoas julgam precipitadamente no lugar de tentarem entender.


DMRevista - E depois de adulta? O que impulsionou a sua transformação? O que te deu coragem?


Maria Eduarda - Descobri que eu tinha atração pelo homem hetero.  Eu queria que ele me enxergasse como mulher, mas como meu físico não condizia com meu pensamento decidi começar minha transformação. Certo dia eu estava com um rapaz que só ficava comigo pelo lado financeiro, até que, passando por uma travesti, observei o quanto ele se encantou por aquela imagem. Foi aí que percebi que ficar com homem hetero de forma plena só seria possível quando também me tornasse feminina.
DMRevista - O que mudou no seu trabalho no Congresso depois da transformação? Sofreu preconceito?


Maria Eduarda - A mudança mais significativa no trabalho foi o foco que se formou em torno da minha “figura feminina”. Não existia mais naturalidade de olhares e comentários, mais parecia um Big Brother do Congresso, onde as câmeras estavam todas voltadas para mim. Seria possível imaginar alguém sair do anonimato e se tornar o centro das atenções sem preconceito? Claro que ele veio atrelado a tudo isso. E o preconceito velado, que é ainda pior. Antes as mulheres me adoravam por ser um homossexual, quando todos sabem que uma mulher sempre tem um amigo gay. Hoje me tornei rival, sendo que não nutro qualquer rivalidade com as mulheres, muito pelo contrário. Já com os homens, quando eu era gay, muitos nem falavam comigo. Havia uma espécie de repulsa. Hoje, os mesmos que agiam assim me adoram, tratam-me como uma grande atração! Percebi então que o que importa para os homens é o visual.

DMRevista - Sobre a mudança oficial de nome, o que está impedindo a ação de se concretizar? 


Maria Eduarda - Infelizmente no Brasil a Justiça, todos sabem, é lenta e neste caso pior ainda. Estou aguardando, ainda, o julgamento na primeira instância do meu pedido. O pior para mim é o constrangimento ao apresentar um documento com nome masculino, sendo eu absolutamente feminina. Certo dia, por exemplo, embarcando no Aeroporto de Congonhas, o despachante durante o check-in simplesmente chamou a Polícia Federal por considerar que eu estava usando de falsidade ideológica. Ao Delegado que me inquiriu, alertei que a única maneira de provar que eu era eu mesma seria fazendo exame de sangue para identificar que meus cromossomos eram XY. Talvez, no meu caso, eles fossem mesmo XX (risos)!

DMRevista - Atualmente, quais são as funções desempenhadas por você no Congresso?


Maria Eduarda - Sempre atuei dentro do Legislativo, elaborando projetos e outras proposições. Fico envaidecida ao dizer que meu trabalho resultou na promulgação de mais de 50 leis e de três emendas constitucionais. Por exemplo, as cinco Leis do falecido deputado federal Clodovil Hernandez, foram elaboradas por mim. E isso é um orgulho!

Entretanto, decidi que já prestei muita contribuição ao meu País! Agora quero, e mereço prestar mais dedicação a mim. Por isso, vou mudar e passar uma temporada na Itália, de onde pretendo conhecer as maravilhas da Europa e também aprimorar-me em outras áreas da cultura.


DMRevista - Que mudanças você espera a partir disso? Na Europa o preconceito é menor ou essa mudança simboliza apenas uma mudança de radical de realidade? Quanto tempo pretende passar lá? Quais são os planos para os próximos meses?


Maria Eduarda - Aprimorar minha educação e cultura, aprender outro idioma e estabelecer novas amizades, esses são meus planos. Todos sabem que na Europa o preconceito em relação à sexualidade humana é muito menor, senão inexistente. Quanto ao tempo de permanência no exterior, não sei. Quero ir para viver bem e ser feliz, se durar dois meses, ou dois anos, só Deus sabe.


DMRevista - Sobre o livro que você vai escrever, poderia nos contar um pouquinho?


Maria Eduarda - Minha temporada na Europa será voltada para isso. Longe do meu ambiente natural, quero refletir e ver o que posso dividir com as pessoas. Assim, se antes eu ajudava contribuindo na elaboração de leis que dessem mais qualidade de vida aos cidadãos, agora quero ajudá-los a viver melhor, mexendo com o consciente deles. Por enquanto, penso num tema em torno da redefinição da sexualidade humana, porque a cada dia vejo não existir mais tendência sexual: a gente não gosta do homem ou da mulher, a gente gosta é de pessoas. E quando todos descobrirem que essa é a realidade, o preconceito acabará.

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